(NATAL PORTUGUÊS)
Neste Inverno, dá vontade de trocar o v pelo f. Não porque sejamos pessimistas, pelo contrário, procuramos antes levar a vida pela positiva, encarar as contrariedades com naturalidade, resolver o que é resolúvel e aceitar com bonomia o inevitável.
No entanto, quando aos rigores próprios da Natureza, se juntam os desmandos impróprios das pessoas – citando Shakspeare – “algo está podre no reino da Dinamarca”.
Atravessamos a quadra natalícia e, embora as autarquias deste País tivessem iluminado as ruas das respectivas urbes, o facto é que não conseguiram iluminar também os corações dos cidadãos. Estes continuam às escuras, meio desorientados, e não se vislumbra no horizonte candeia que os aqueça e alumie.
Vive-se na ilusão das coisas, no adiamento permanente de possíveis soluções na expectativa que “isto melhore”.
Recusamo-nos repetidamente a assumir e enfrentar a realidade, porque nos habituámos a viver segundo os nossos desejos e não segundo as nossas posses. Agarrámos na vida leve do crédito como num elástico que fomos esticando e, à força de repetir o gesto, automatizámos o movimento sem a consciência dos custos acrescidos.
Deste modo, o endividamento foi (e vai) crescendo na razão inversa dos nossos recursos (cada vez mais escassos), correndo o risco de um dia destes o elástico nos rebentar nas mãos.
Neste momento somos, perante toda uma Europa de que nos reclamamos parceiros, o exemplo acabado de como não se deve ser.
Como nos deixámos chegar a este estado? A (s) resposta (s) não é (são) simples. Resulta (m) de um conjunto de circunstâncias históricas que, entrosadas na lusa mentalidade, formaram a teia que nos enredou.
O regime democrático a que (finalmente) acedemos trouxe-nos a ilusão do milagre das rosas. Ansioso que estava, o País entrou na euforia da liberdade, abusou das suas virtudes e distraidamente ficou prisioneiro dos seus vícios.
Desgraçadamente, impingiram-lhe a liberdade como sendo a árvore das patacas e acreditou. Desgraçadamente, confundiu a árvore com a floresta, e tomou a ilusão com a crença de ingerir a realidade.
Os sucessivos governos ajudaram a cimentar a ilusão. Também são co-responsáveis por omissão.
Voluntariamente ou não, demitiram-se da função prioritária de estudar, regulamentar e esclarecer o uso responsável da liberdade, deixando que o laxismo se fosse paulatinamente instalando, antes apostando na modernização a qualquer preço sem a contrapartida da construção estrutural para o exercício capaz da cidadania.
O resultado tem sido a cavalgada da fuga para frente… em direcção não se sabe bem a quê. Talvez a um mar de imensos sacrifícios que só uma (por enquanto inexistente) política de autenticidade possa atenuar.
A prenda de Natal para os portugueses não constituiu surpresa. Com a voracidade de quem parte para a última refeição, consumimos a montanha do crédito até ao arroto final.
No nosso frágil sapatinho, e sem pezinhos de lã, instalou-se a crise… que vai ter um próspero 2010.
Neste Inverno, dá mesmo vontade de trocar o v pelo f.
Luís Silva Rosa
Nota: A lucidez, a sensibilidade e o poder de crítica do nosso amigo e colaborador Luís Silva Rosa…não estão, com toda a certeza, em crise!
Obrigada Luís! Excelente "Retrato do Natal Português".
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2 comentários:
Temos que voltar a dar meias de "turco" com uma raquete, no Natal. Eu pelo menos é o que vou fazer. E, se der tempo, vou ao caramelos, à Espanha. Ai, ai.
A verdade, sim, a dura verdade...
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