terça-feira, 18 de agosto de 2009

O EMBIRRANTE

Há indivíduos que positivamente nasceram para nos arreliar, para se tornarem incómodos ao ponto de nos enervarem, para serem a pedra naquele sapato a que finalmente já nos tínhamos habituado.

Há indivíduos que não nos deixam em paz (?), que teimam em nos agitar, em nos chamar a atenção não só para os ouvirmos como ainda por cima pretendem que as suas palavras sejam levadas a sério.

Nós, portugueses de sempre, ouvimos tudo e tudo criticamos e nesse sentido crítico não nos eximimos a chamar de embirrantes a pessoas com tais comportamentos.

Toda vida tivemos períodos de altos e baixos, sempre fizemos jus à nossa inata habilidade para o desenrascanço, para o improviso, para a imitação imediatista, para saber aproveitar a onda perfumada, para a mestria da navegação à vista.

Melhor ou pior, cá vamos cavalgando a nossa vidinha, cá nos fomos habituando aos despautérios da nossa democracia sui generis, aos sucessivos desmandos dos sucessivos governos e poderes públicos, às mais variadas ilusões que nos obrigaram a comprar a troco de impostos.

Com maior ou menor dificuldade habituámo-nos a tirar partido das adversidades, a “dar a volta por cima”, habituámo-nos a sacudir os problemas com a alegria dos bafejados pela sorte, a (sobre) viver simplesmente na crença de dias melhores em simultâneo com a prática despreocupada do tratamento das nossas preocupações.

Como povo, somos um aglomerado de gente de boa índole, a um tempo dócil e manhosa quanto baste. Uma vez por outra, quando algum “político” menos avisado ou mais casmurro tenta esticar a corda em demasia, lá temos que o pôr na ordem, mostrar-lhe que assim não vai lá.

Fora isso, estamos bem arrumadinhos no sistema, deixando que a classe política se entretenha com os impostos que nos vão sacando para nos (des) governar e praticar jogos florais com as oposições enquanto que, à nossa maneira, a vamos
levianamente imitando.

E é precisamente quando, acompanhados à guitarra e à viola (como convém), estamos seriamente empenhados – na real acepção da palavra – numa sessão de fados (do triste ao corrido), que aparecem os tais sujeitos embirrantes com as suas vozes dissonantes, prontos a estragar a diversão que tanto custou a pôr de pé e tão precisa é para espantar os nossos males.

Com o desplante próprio dum forcado em arena, tentam captar a nossa atenção e zurzir a nossa cabeça com uma realidade terrivelmente real e inconveniente, desastrosa e quase apocalíptica.

Como se não o soubéssemos! Estamos fartos de o saber, a realidade corrói-nos as entranhas, azeda-nos os fígados, mas sentimos estar num beco sem saída porque perdemos a fé na realidade dos princípios, queremos acreditar na vida em liberdade mas não acreditamos nas pessoas que a manipulam. Por isso, e por sobrevivência, olhamos para o País como gostaríamos que ele fosse… e agimos como tal, num assumido e desencantado faz de conta.

O último dos embirrantes a querer tirar-nos da nossa (muito nossa) realidade foi o Prof. Medina Carreira, pessoa muito agarrada aos números (os números não mentem, ao contrário de muito boa gente), que veio à televisão dar uma aula, perdão, uma entrevista, traçar um mapa do Portugal de hoje.

Ó Senhor Professor, tenha pena de nós, não seja embirrento, o seu pensamento lúcido, a clareza e brilhantismo das suas exposições não só nos incomodam por nos trazer de volta à realidade nua e crua, como nos envergonham por lhe darmos razão e permanecermos na nossa dormente quietude. Logo agora que nos estávamos a preparar para deglutir uma soberba sobremesa eleitoral à base de farófias!

Prof. Medina Carreira, por favor, não embirre connosco, deixe-nos gozar um pouco mais a ilusão em que vivemos neste País porque, como o senhor tão bem sabe, dentro de algum (pouco) tempo não o poderemos fazer!

Luís Silva Rosa
(Agosto/2009)

Nota: Pois é Luís...podem chamar-lhe embirrante...mas que ele diz as verdades...lá isso diz!! Por isso "Viva o Embirrante"!!
E já agora oiçam lá de novo:




1 comentário:

Reverendo Bonifácio disse...

O Sr. Rosa a utilizar uma fina ironia que bem mostra a qualidade de escrita a que nos habituou! Pois é, bem gostamos de fazer de conta que são farófias o que só pode ser chamado de caldo azedo, velho e requentado.