Os últimos quatro anos foram marcados pela propaganda - mais ou menos velada por parte de quem governa, com reacção mais ou menos apática por parte de quem é governado - de várias mistificações sobre educação.
É a elas que pretendo dedicar-me numa série de postes que hoje inicio.
A que escolhi, para começo de conversa, diz respeito exclusivamente aos alunos, à sua vida escolar, ao seu aproveitamento. Que me desculpem os colegas professores, os parceiros pais, a comunidade educativa, a autarquia e outros que tais. De resto, nós, professores, também somos pais, também somos parte integrante desses diversos círculos comunitários. Mas, no princípio e no fim das contas, é para os alunos que a escola existe.
Ora, ia eu a dizer, a primeira de todas as mistificações é a da escolaridade a tempo inteiro, apresentada que foi como condição sine qua non para atingir o sucesso escolar.
Nada mais falso. Digo-o como professora e mãe, ou seja, para alguns falarei empiricamente.
Os dias intermináveis de escola pouco ou nada trazem àqueles que são capazes de esforço por terem em si apetência para aprender. Porque esses aprendem sozinhos, nos livros, na tv, na net, na vida do dia-a-dia. Essa casta de eleitos, cada vez mais rara, boceja de tédio nas aulas que têm de ser planeadas/direccionadas para eles e para os outros, vezes demais para os outros. Essa nata, em lugar de progredir tudo o que podia, enquista, desliga, perturba - sim que os "bons" alunos também são perturbadores... Enfim, cansa-se de morte e perde bons hábitos, por passar dias inteiros de quase inutilidade. E desmotiva-se, pois para ter bons resultados pouco ou nenhum esforço tem de fazer, dado que em terra de cegos quem tem olho é rei. Para não falar já agora do facilitismo, do progressivo abaixamento do nível de exigência, que esse fica para outro poste.
Esses mesmos dias intermináveis de escola também nada fazem pelos menos bons e pelos maus alunos. Ainda mais intermináveis desde que cheios de AECs, ou NACs, ou ACNEs - muda-se o nome mas a treta é mesma - e aulas de apoio, que não necessariamente individualizado, e tutorias, para substituir o pai, a mãe, ambos, a família e os animais de estimação...
Diria até, quer como mãe quer como professora, que têm o efeito contrário. Pois quem não gosta da escola, quem não gosta de esforço, quem não consegue aprender - pela falta disto e daquilo e daqueloutro (proibido é dizer falta de inteligência) - odeia esse supremo desconforto de se sentir diminuído, bloco atrás de bloco, tarde após manhã. Dias e dias sem tempo para o trabalho autónomo de estudo e sistematização - ao que parece, desaconselhado até pela tutela ministerial: não, que em cima do menino tem de estar sempre a supervisão do professor, até nas brincadeiras - e depois avalia-se a autonomia. Semanas e meses sem tempo nem espaço para fazer as "traquinadas" saudáveis da infância/adolescência. Anos, perdidos numa teia de relações longínquas e mais ou menos descartáveis, que nos mais dos casos deseduca, cada vez mais longe, física e emocionalmente, de quem tem o dever de proteger e educar, antes de todos os outros, que é a família.
Atrevia-me até a dizer que os miúdos de hoje são criados, leia-se educados, em gaiolas douradas, sob a orientação de uns quantos espectros, que tanto lhes enfiam a comida como as matérias boca abaixo, lhes ensinam desde o apertar dos sapatos, logo no jardim-de- infância, até ao como se deve sentar na cadeira, lá para o 12º ano. Convém não esquecer que muitos outros, sem ou com gaiola, também têm o abandono da rua, da vida.
(Re)conheço muitas das objecções que alguns estarão a fazer a estas palavras mal alinhavadas. Que nem todas as famílias educam... Que o mundo de hoje já não é o de antigamente... Que o papel da escola tem de mudar para cumprir a função social que se lhe impõe nos nossos dias...
Pois... verdades inquestionáveis (?).
Agora que a resposta a esses problemas incontornáveis seja única e exclusivamente transformar as escolas em internatos diurnos de crianças e os professores em guardadores de lobos disfarçados de ovelhas, seja apenas a extensão do horário escolar para as 12 horas, como reivindica o Dr Confap-pai da nação - com o acordo já declarado da Ministra da Educação - essa é que me parece não só uma solução questionável mas também uma solução pobre, num país pobre de recursos e, sobretudo, de ideias.
Num minúsculo país em que estive há pouco tempo, cujos recursos se resumem praticamente ao comércio e serviços, a viver a mesma crise de todos os outros (ou até talvez mais...) cresce um movimento de cidadãos que reclama a redução do horário do comércio. Com que argumentos? Os horários livres e exagerados das lojas impedem a vida familiar e o convívio social.
Suicidas, gritarão uns. Lúcidos, segredam outros. Estou com os últimos.
Nota: Não faço citações de autoridade pois, como diria a ministra, os estudos valem só para quem os encomenda.
3 comentários:
Muito bom.Parabéns.
Subscrevo!
Excelente querida Bugs!! Recordei a minha infância cheia de brincadeiras de rua ,quintal,serra etc.
Tenho pena das crianças e jovens de hoje por não terem as oportunidades que eu tive de ser LIVRE e TER TEMPO para brincar. Será uma falha irremediável que daqui a alguns anos se virá a constatar...!!!
Muito bem, Bugs. Espero que também fales de indisciplina. Eu também falarei, mas, hoje, estive sem interrupções - a não ser o almoço - a trabalhar desde as 11. São 18:39. Horas de ir para a escola! Isto da escola a tempo inteiro calha a todos. Professores e alunos. Não há tempo para nós. Que pena... e se houvesse, pelo menos, reconhecimento... o lírio negro da campos!
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