Esta era a primeira etapa duma caminhada que iria atravessar todo um Verão, rampa de lançamento para uma viagem cujo destino final estava há muito calculado ao pormenor.
O sujeito ia estrada fora a caminho da Europa, no seu passo costumeiro, certo, determinado.
Quem o conhecia – gostasse ou não do seu andar – não precisava de o ver para adivinhar a sua presença. Ela manifestava-se pelo bater dos tacões em cada passo no asfalto, como que a dizer vou aqui, afastem-se, não me irritem, deixem-me passar.
Aliás, a sua voz era a imagem direita do seu andar. Falava com aquele tom a um tempo acutilante e irónico, por vezes agastado e irritadiço de quem tolera mal as contrariedades. Por isso batia os tacões no alcatrão.
O tempo foi passando e o sujeito lá continuava a sua caminhada, embora agora o caminho fosse mais íngreme, sinuoso e esburacado.
Nisto, à saída duma curva, eis que surge o que parecia ser um tapete de folhas a aveludar a estrada. Pensou: Hum, finalmente tive quem me endireitasse o piso, já era tempo, estou farto de buracos.
Só que não era. Assim que pisou as primeiras folhas, ao sentir a maciez sob os pés avançou com arrogância um punhado de metros e… caiu no buraco!
Não era um buraco imenso, mas era grande o suficiente para lá o fazer cair. Era um dos muitos com o tamanho da erosão provocada pelas intempéries que desvalorizou nos últimos anos, convencido da força da sua teimosia em vencer a ordem natural das coisas.
Habituado que estava a ultrapassar obstáculos, o caminhante não cuidou que estes iriam aumentar em diversidade e tamanho à medida que percorresse a estrada.
Ainda um pouco atordoado com o trambolhão, sacudiu-se, sentou-se na berma do caminho e pensou que, apesar do treino, afinal o resto da caminhada não iria ser a tarefa fácil que idealizara. Faltavam-lhe os recursos para renovar a estrada. Ainda por cima o tempo era curto para a quantidade necessária de remendos, quanto mais para um piso novo. Tinha que haver uma solução!
Alicerçado na sua proverbial teimosia, o caminhante, após ouvir as recomendações dos seus companheiros de caminho, fez-se de novo à estrada.
Desta vez, não fosse o Diabo tecê-las, o caminhante encomendou uma farpela de caminheiro, na esperança de obter o apoio das pessoas que o vissem no caminho. Acontece porém, que parecer não é bem o mesmo que ser.
O caminhante teve novo percalço ao ter que continuar a penosa marcha com o calçado que já trazia (apesar da farpela nova), dado não haver disponível sapato de caminheiro que lhe servisse.
E foi vê-lo, de meter dó, neste trilho de todo um Verão, vestido de caminheiro com calçado para o alcatrão.
Como ficará no fim do Verão, depois verão.
Uma coisa é certa: Os apoiantes (?), ou lhe dão a palma… ou a palmada.
Luís Silva Rosa
Jun/2009
Nota: Adorei este caminhante, não sei... faz-me lembrar alguém!!
Espectacular, Luís!! Obrigada!
quarta-feira, 24 de junho de 2009
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