sexta-feira, 12 de junho de 2009

O TRABALHO DOS PROFESSORES

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Nestes 4 anos de governação, ouvimos vezes sem conta os chavões da melhoria dos resultados dos alunos, do combate ao abandono escolar, das necessidades de melhor trabalho dos professores, melhor formação profissional e melhor avaliação do trabalho lectivo, para premiar os bons e banir quem não presta. Assim no vago e no essencial até que estávamos de acordo.

Acontece que, sob a máscara destes grandes desígnios nacionais para a educação, o que se pôs em marcha foi um ataque à Escola e seus agentes, numa ardilosa estratégia de 3 em 1: transformar as escolas em burocráticos veículos de transmissão do poder; submeter os docentes (através do cercear de direitos, da competição desenfreada e do medo); anulá-los enquanto massa crítica.

A principal arma usada no ataque foi transformar os professores no único bode expiatório da má qualidade do ensino público, formatando as opiniões do "povão": eles trabalham pouco e ganham muito, eles faltam que se fartam, eles têm muitas férias, eles são uns incapazes, eles nunca foram avaliados, eles são manipulados pelos sindicatos, eles são medrosos que nem ratos, eles são chantagistas e (ó primor dos primores!) eles são hooligans!

Num exercício de arrogância, própria de quem subestima o valor dos outros, e fazendo prova de pura incompetência, o triunvirato do Ministério da Educação foi vendo o tiro a sair-lhe pela culatra.
Hoje, os reais e inconfessáveis objectivos da sua política educativa estão cada vez mais à vista: uma vez submetidos, os professores encarregar-se-iam de limpar as estatísticas; reservada a escola pública para quem, de todo, não pode aceder às excelências do ensino privado, diminuiria drasticamente o gasto com a educação.
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Volto agora a um dos temas do primeiro poste de ontem: a presidente do Conselho Nacional de Educação e as suas recentes declarações sobre as escolas e os professores, sim porque dos alunos, dos pais, das políticas ministeriais, dos pedagogos e do resto... pouco ou nada.
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Ora, apetece dizer: Onde é que eu já ouvi isto?

Como nestas coisas da escrita, há quem o faça bem melhor que eu, passo a citar o texto de Helena Damião publicado no De Rerum Natura, a 7 de Junho.

Aproveitei e trouxe a imagem e a nota, ambas elucidativas.
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Os professores não devem trabalhar mais

Na entrevista que a jornalista Bárbara Wong fez à senhora presidente do Conselho Nacional da Educação encontro cinco passagens em que ela refere que os professores devem passar a trabalhar mais (aqui e aqui). Transcrevo-as:

- “Hoje em dia, temos mais capacidade para resolver problemas, mas para isso, os professores têm que trabalhar mais. Não podem ser só as famílias, embora estas sejam importantes.”

- “… os professores compreendam as dificuldades dos alunos, insistam e trabalhem muito. Isto é muito importante, para poder resolver, porque se não, os professores dão sempre mais do mesmo.”

- “O que proponho não é facilitismo, mas mais trabalho para os professores.”

- “O professor tem que ensinar mais e de outras maneiras.”

- “É preciso encontrar outra solução que é trabalhar mais e ir mudando os percursos.”

As considerações que, de seguida, faço são baseadas no conhecimento directo que tenho do trabalho de muitos professores com quem, por razões profissionais, contactei ao longo do ano lectivo que está a terminar. Tal conhecimento não é, portanto, científico, no sentido de poder apresentar dados fiáveis sobre o mesmo; é do foro da opinião e, portanto, vale o que vale.

1. Para quem não sabe, o horário dos professores é composto pelas componentes lectiva e não lectiva (desdobrando-se esta em duas componentes: não lectiva de trabalho a nível de estabelecimento e não lectiva de trabalho individual), remetendo, cada uma delas para inúmeras tarefas que todos os professores, sem excepção, têm de desempenhar. A senhora presidente do Conselho Nacional da Educação terá em mente que os professores trabalhem mais nas duas componentes ou só numa delas e, se for este o caso, em qual delas?

2. Neste momento, esses professores que conheço dizem-me, e eu acredito, que não podem trabalhar mais, que lhes é humanamente impossível acrescentar mais tempo e mais tarefas ao que já fazem.

3. Acresce que esses professores, por se importarem com as aprendizagens e com os seus alunos, denotam uma fadiga extrema e um desapontamento enorme por sentirem que, apesar de todos os seus esforços, não conseguiram, durante o ano, fazer o que acham que deviam ter feito: ensinar bem.

4. Esses professores também me manifestam perplexidade, porque, à semelhança da senhora presidente do Conselho Nacional da Educação, toda a gente lhes diz que têm de ensinar “de outras maneiras”, de “ir mudando os percursos”, como se se soubesse, obviamente, quais são eles. Porém, a verdade é que ninguém, por mais especialista que se apresente, se atreve a dizer quais são essas “outras maneiras”, esses “percursos” que se insinua resolverem os problemas com que os professores se confrontam no dia-a-dia.

Não, os professores não “têm que trabalhar mais”: os professores têm, sobretudo, de desempenhar menos tarefas burocráticas. E as tarefas que lhe são atribuídas têm de ser menos dispersas, e convergir para a função de ensino. Isto para que os professores possam trabalhar melhor.

Nota: O leitor que tenha curiosidade em conhecer melhor as funções que estão atribuídas aos professores, deve consultar o Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro (Estatuto da Carreira Docente) e o Despacho n.º 19117/2008 de 17 de Julho (que orienta a elaboração dos horários dos docentes). Estes documentos, apenas darão uma pequena visão das totalidade de tarefas que os professores efectivamente desempenham.
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Já agora leia também:

As duas vestais do sagrado altar do eduquês


Precisamos continuar bem atentos,
que eles não desarmam tão facilmente
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4 comentários:

Adélia Rocha disse...

Eu começo a ficar FARTA de que me mandem trabalhar!! Parece que na impossibilidade de tudo fazer para impor a disciplina que falta nas escolas e que é condição indispensável para que o trabalho dos professores se veja traduzido em resultados, se concentra toda a pressão sobre os professores: os culpados pela indisciplina, os maus resultados, etc. Já agora, há que entupi-los de burocracia para não terem tempo para pensar e quanto a avaliação, há que avaliá-los a eles, aos professores, para os manter entretidos. Parece-me que esta pressão, em cima de nós, é uma forma de dizer que não é possível inverter o quadro de indisciplina e até alguma vilolência, desde logo a VIOLÊNCIA VERBAL, de que enfermam as escolas! Desculpem se me repito! E pergunto, há qualquer outra profissão com curso superior, ou seja, grande investimento em formação, que haja ataques diários à respectiva dignidade? Será que alguns ainda não viram que já lá vai o tempo dos "profs" com o 12º. ano?? Afinal querem mandar em nós ou contar com a nossa colaboração para ultrapassar os problemas graves que existem nas escolas?? Somos adultos, somos formados, queremos ser uma mais-valia na vida das escolas e no futuro dos nossos alunos! Respeitem-nos!!

Anabela Magalhães disse...

Subscrevo Adélia.
E parabéns, Bugs, pelo post excelente.

bugsnaEDucação disse...

Pelos cabelos, lírio negro, pelos cabelos.

bugsnaEDucação disse...

Thanks, Anabela.
:)