quarta-feira, 3 de junho de 2009

O Medo de Existir

.
Já o tenho dito por diversas vezes e repito-o agora: uma das contrariedades que me impõe esta vida, super-ocupada que levamos, é a de não ter tempo para ler o que gostaria. Ler faz crescer e eu sinto-me cada vez mais pequena.

Numa das últimas edições do Câmara Clara, na RTP2, falava-se da obra Portugal Hoje - O Medo de Existir, do filósofo José Gil, publicada há 4 anos. O que ouvi, para além de completamente actual, deixou-me muito curiosa.

Fiz uma pesquisa, breve e intermitente (que o tempo é escasso) e fui encontrando basta informação que só aumentou o apetite pela leitura.

Deixei a ideia a marinar em rascunho e hoje decidi-me a acabar este poste.

O livro, esse tem que ficar para mais tarde porque está a começar um período de intenso trabalho na escola. Ao contrário do que se pensa não vamos entrar de férias.

.
.
“Portugal, Hoje" propõe-se denunciar, à laia de manifesto, os traços que explicarão o nosso atraso endémico. Escrito num tom vivo e acutilante este livro é de leitura fácil. Cada capítulo, curto e bem sintetizado, dedica-se a um dos factores que Gil considera contribuírem para o mal nacional. Assim, teremos entre outros a televisão, a não-inscrição, o medo, a inveja e o queixume.
[...]
“Portugal, Hoje” pecará por alguma superficialidade nas explicações avançadas e cede demasiado à tentação de psicologizar. Falta uma certa visão histórica. No entanto, não deixa de ser uma leitura importante quanto mais não seja porque nos faz pensar e pensar é o primeiro passo para nos fazer agir e mudar. Creio que a maior virtude do livro, e do seu estilo desencantado e pessimista, é a de agitar as consciências e num estilo acessível a todos.

José Gil começa por apontar o dedo à televisão que cria um clima de entorpecimento e de não-real, de não-acontecimento. A mediatização é apontada como sendo uma das responsáveis pelo nevoeiro que envolve a sociedade portuguesa não permitindo que se discirnam com clareza os factos.

A não-inscrição é outro traço dominante na psicologia nacional. As coisas passam mas não mexem verdadeiramente com as pessoas, não se inscrevem, resultando daí uma inacção, uma falta de afirmação e também de responsabilização.

A não-inscrição explicará também a falta de debate no espaço público ou até de verdadeiras críticas de arte, a livros, a espectáculos. As discussões são muito pobres, nunca se vai ao âmago das coisas e dos problemas, fica-se sempre pela superfície. “Os portugueses não sabem falar uns com os outros, nem dialogar, nem debater, nem conversar. Duas razões concorrem para que tal aconteça: o movimento saltitante com que passam de um assunto a outro e a incapacidade de ouvir”.

Também o medo, fruto dos anos de ditadura, impede que se assuma a liberdade plena, que se diga o que se pensa. Um certo culto do “sôtor” e a reverencia a quem tem poder são ainda peias que tolhem o pensamento e a acção livres. Por outro lado, pensamos que nunca estamos à altura, que não somos suficientemente bons, anulando-se assim todas as potencialidades criativas. É a famosa falta de auto-estima a que a tão badalada teoria da inveja promove. Ou seja, numa sociedade em que o imobilismo grassa quem quer fazer é, inevitavelmente, mal-visto, alvo de intriga e de maledicência. Quem se destaca será, portanto, excluído do grupo.

Gil continua a dissecar os males pátrios desenvolvendo a sua teoria da não-inscrição. Daí derivará também o “pensar pequeno” português, de que os abundantes “inhos” e “itos” e diminutivos da linguagem são ilustrativos. “O ‘pequeno’ representa o tamanho perfeito, adequado ao seu investimento afectivo (...). O português revê-se no pequeno, vive no pequeno, abriga-se e reconforta-se no pequeno: pequenos prazeres, pequenos amores, pequenas viagens, pequenas ideias...”.

in http://www.citador.pt/biblio.php?op=21&book_id=1191

Sem comentários: