terça-feira, 23 de junho de 2009

A Sociedade Domesticada

Fui buscar este texto ao blogue daliteratura, que costumo frequentar. Este é um dos livros que quero comprar URGENTEMENTE!
Sei que o texto é grande, mas leiam o último parágrafo! E atentem na palavra DOMESTICAÇÃO!!


«No seu mais recente livro, Em Busca da Identidade: O Desnorte, acabado de editar pela Relógio d'Água, José Gil procede de novo a uma análise das actuais condições de existência em Portugal. O ponto de partida é conhecido e já tinha sido diagnosticado por Eduardo Lourenço: trata­‑se da hiperidentidade, que se poderia definir como a doença que consiste em sermos «portugueses antes de sermos homens» (p. 10). Para o autor, o grande problema que daqui decorre é o da construção de subjectividades marcadas por este desequilíbrio. Procedendo a uma transferência de conceitos e mecanismos psicanalíticos para o plano colectivo (em perfeita consciência do risco que isso comporta), José Gil encontra numa subjectividade característica durante o salazarismo os traços do que Sandor Ferenczi designou como introjecção. De uma forma algo simplificada, pode dizer­‑se que esta consiste num processo de diluição de responsabilidades através de um ego inchado, omnipresente, que engoliu o mundo e permite, assim, que os seus afectos flutuem aí livremente. No caso português, «o sujeito ‘vive­‑se’ como um zero social e pessoal, um falhado, e queixa­‑se de tudo e de todos –– queixa­‑se do ‘país’, nunca de si próprio» (p. 15). Se é certo que o fim do fascismo impôs a construção de novas subjectividades, não é menos exacto que a força dos padrões interiorizados não se desvanece de repente. Para o filósofo, decorre daí «a nossa dificuldade em nos desviarmos de uma via única, a nossa tendência a não ver senão a norma, a criar constantemente zonas claustrofóbicas, a viver a democracia como, paradoxalmente, uma imensa cobertura­‑véu colectiva, desde os média ao tipo de governação, passando pelo medo da crítica e da liberdade» (p. 18). Podemos ver aqui o mecanismo que levou à concepção de um cartaz como aquele que o PS apresentou recentemente, afirmando que eles combatem a crise enquanto os outros combatem o PS. Subjacente a esta frase propagandística está a ideia do caminho único, da despolitização, segundo a qual há apenas uma boa solução e tudo o resto é uma perda de tempo. O objectivo é a recusa da argumentação, é a negação do confronto democrático, é a tentativa de intimidação através da exclusão: aqueles que não aceitam o que os senhores do cartaz propõem desinscrevem­‑se do espaço público (como diria José Gil), porque a única possibilidade de inscrição consiste em aceitar o tal caminho único. Por isso, o líder do Partido Socialista pôde dizer, após a derrota nas eleições europeias, que não se vai desviar do rumo traçado, como outrora a ministra da educação já dissera que a manifestação de 120 000 professores em Lisboa (apenas a 20 000 da totalidade da classe profissional) não era relevante.

A esse propósito, aliás, José Gil escreveu que se tratava de uma fuga à contenda, através da qual «o poder torna a realidade ausente e pendura o adversário num limbo irreal». Ao deixar «intactos os meios da contestação mas fazendo desaparecer o seu alvo, desinscreve­‑os do real». Trata­‑se, portanto, de «uma não­‑acção, uma acção não­‑performativa», que pretende impor «a interiorização da obediência». É «um processo de domesticação da sociedade», o que representa mais do que meros traços psicóticos: na verdade, relativamente ao comportamento do primeiro­‑ministro e da sua ministra da educação, deve falar­‑se, como faz José Gil, da «não­‑inscrição elevada ao estatuto sofisticado de uma técnica política» (pp. 55-56).»

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